Pedro Cardoso e Diogo Infante: a nova Geração do Teatro

O Teatro vive de figuras carismáticas que arrastam multidões, que criam empatia com o público e que se vão renovando, geração a geração, herdando todo o legado que foi construído e afirmando a sua própria identidade. Pedro Cardoso e Diogo Infante são dois rostos da nova geração do Teatro que temos de conhecer melhor porque serão eles, num futuro próximo, que passarão o testemunho para as vindouras gerações porque o Teatro, como todas as artes, é imortal.


Pedro Cardoso

Há atores para os quais o Teatro é uma segunda, senão primeira, casa, um local onde regressam à infância feliz, à liberdade e criatividade sem barreiras. Pedro Cardoso é, sem dúvida, um deles como  podemos comprovar pela sua carreira.
Carioca nascido a 31 de Dezembro de 1962, primo do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, iniciou a sua vida no Teatro a trabalhar na iluminação das peça. Interessou-se pela linguagem teatral e decidiu avançar, em parceria com o ator Felipe Pinheiro, para a escrita e interpretação com peças  como “ Bar, doce bar”, “ C de canastra”, “ A besta” e “ A macaca”, trabalhando ambos igualmente como guionistas no programa TV Pirata.
Depois da morte por ataque cardíaco de Felipe Pinheiro, passou a escrever e atuar a solo. Nesta fase mais próxima de nós, destacam-se peças como “ O autofalante”, “ Os ignorantes” ou “ Todo o mundo tem problemas sexuais” com grande êxito no Brasil e em Portugal, onde costuma vir em digressão.
Pedro Cardoso também é um ator com grande sucesso na Televisão. Participa em grandes êxitos como guionista na “Comédia da Vida Privada” e  ator em  “ A  Grande família”  e, em 2008, foi  nomeado por esta série para o Emmy.

                            
  
Diogo Infante  

Se há rosto que em Portugal se associa ao Teatro, na nova geração, é o de Diogo Infante. Diogo Nuno Infante de Lacerda nasceu em Lisboa, em 1967, estudou na Escola de Teatro e cinema desta cidade e começou a trabalhar na peça “ As sabichonas de Moliére” no Teatro Nacional D. Maria II, na década de 90.
Nas duas décadas seguintes,  protagonizou uma percurso fulgurante. Não só como ator em todos os grandes papéis clássicos , mas também como encenador – em peças de Harold Pinter ou Tenesse Williams entre outros – e também como Diretor artístico do Teatro Maria de Matos – entre 2006 e 2008 – e do Teatro Nacional D. Maria II – entre 2008 e 2011.
Tal como Pedro Cardoso, Diogo Infante também revela uma grande versatilidade – protagonizou várias séries e  novelas, na Televisão, e no cinema fez diversos filmes entre eles “ A sombra dos abutres”, de Leonel Vieira, que lhe valeu o prémio de melhor ator no Festival de Gramado.
Autor: Rui Marques






Raul Solnado e Paulo Autran: dois talentos sem idade

O Teatro é um espaço de prodigiosa metamorfose. Como a personagem de Gregor  na famosa obra de Kafka, o ator reinventa-se, torna-se outro, explora as múltiplas facetas que um ser humano possui – é como a borboleta que emerge da crisálida.
Raul Solnado e Paulo Autran marcaram o público português e brasileiro pela versatilidade mágica que mostravam em cada espetáculo. Foram magos da representação, porque afirmaram-se  como os heterónimos de Pessoa, tão diferentes uns dos outros na mensagem que nos legaram – e não será o próprio Fernando Pessoa, e os seus heterónimos, um exemplo de representação teatral, e uma homenagem à própria arte de criação de personagens infinitas que é o  Teatro ?

Raul Solnado
Façam favor de ser felizes !!! Foi  com este epitáfio nada triste, nem desconsolado que nos deixou Raul Solnado,  antes de morrer em 2009.
Lisboeta, nascido em 1929,  começou por fazer Teatro amador na Sociedade de Instrução Guilherme Cossoul, profissionalizando-se em 1952. Estreou-se no Teatro de revista com a peça “ Viva o luxo” no Teatro Monumental, seguindo-se espetáculos como “ Ela não gostava do patrão” ou “Três rapazes e uma rapariga”, e a participação em vários filmes.
Foi com a rábula “ A guerra de 1908”, inspirada no cómico espanhol Gila, que Raul Solnado alcançou um grande sucesso na Revista “ Bate o pé” no Teatro Maria Vitória, em 1961. É também na década de 60 que cruza o Atlântico, atuando nos dois países,  e obtendo  grande sucesso no Brasil com o programa “ Raul Show …naldo” na TV Rio e “ Sete no sete” na Record – destaque-se igualmente, em 1973, a presença de Raul Solnado ao lado de  Chico Anysio na inauguração do programa dominical “ Fantástico”, uma das maiores referências da Televisão brasileira.

Em 1969 a sua popularidade dispara-se com a emissão do programa “ Zip, Zip”, no Teatro Villaret, junto com Fialho Gouveia e Carlos Cruz. Na década de 70 também apresenta o Concurso da RTP “ A visita da Cornélia” e, nos anos 80,  apresentou junto com Fialho e Cruz o programa “ E o resto são cantigas”, que revelou grandes nomes da música ligeira portuguesa.
Morreu em 2009, mas sempre com uma ligação profunda ao Teatro – clássico, cómico e de revista. Também foi um benemérito desta arte – foi Diretor da Casa do artista até à sua morte, Instituição que fundou  com Raul Cortez, para proteger os atores na velhice. 

Paulo Autran

Paulo Paquet Autran nasceu no Rio de Janeiro, em 1922,  e mudou-se muito jovem para São Paulo. Formou-se em Direito e participou em várias peças como amador até que se estreou profissionalmente com a peça “ Um Deus dormiu lá em casa”.
Embora namorasse, ao longo da sua carreira, com o cinema e a televisão – com participação em notáveis filmes como “ Terra em Transe” de Glauber Rocha ou telenovelas de grande êxito como “ A Guerra dos sexos”, ao lado de Fernanda Montenegro – a paixão reservou-a para o Teatro, que foi realmente o amor da sua vida.
Todos os grandes clássicos como “ Antígona”, “Otelo”, “ O avarento” ou “Édipo Rei” foram por ele protagonizados com insuperável brilhantez. “ O avarento” em 2006 foi a sua última peça – morreu no ano seguinte – aquele que foi considerado o senhor dos palcos e que, em 2011, foi declarado por lei patrono do Teatro brasileiro.
Autor: Rui Marques








Os criadores do Teatro português e brasileiro

Os criadores do Teatro português e brasileiro
O Teatro é, simultaneamente, uma arte intuitiva e reflexiva. A intuição é obra do ator que tem de expressar, num palco, a verdade de um Texto, e é um ato de reflexão na medida em que  resulta de uma história contada por um criador, de alguém que imagina um espetáculo.
Neste texto vamos falar de alguns dos grandes criadores do Teatro português e brasileiro. Figuras que transcenderam o próprio Teatro – porque o Teatro se transcende naturalmente a si próprio, é uma visão global da sociedade, muito maior que o espaço delimitado pelo palco – e que fizeram dele a grande Escola de atores, que maravilharam gerações e gerações em Portugal e Brasil.


Gil Vicente

Em Portugal tudo começa com ele. É o primeiro grande dramaturgo português e, segundo várias opiniões, o primeiro ibérico – porque escrevia  também em castelhano.
Desconhece-se se nasceu em Guimarães ou Barcelos,  e a data de nascimento mais provável a que os estudos apontam é de 1490. Sabe-se que era poeta, músico, ator e encenador e, dizem alguns historiadores,  que seria também ourives, autor da Custódia de Belém – essa hipótese é reforçado pelo grande domínio que Gil Vicente mostra, nas suas peças,  dos termos técnicos da ourivesaria.
O que é indesmentível é o seu talento para o Teatro – escreveu a sua primeira peça em Castelhano “Auto da Visitação” também conhecido como “Monólogo do Vaqueiro”, que foi representada na Corte ao rei  D. Manuel I e D.Maria e à viúva de D. João II, D. Leonor , celebrando o nascimento do seu filho D. João – futuro D. João III – na noite e 8 de Junho de 1502. A partir desse momento, torna-se responsável dos eventos palacianos, desenvolvendo a sua criatividade e inovando com um Teatro crítico da sociedade portuguesa e das grandes diferenças sociais entre classes.
A sua obra reflecte a passagem de uma rígida sociedade medieval para uma sociedade moderna, crítica, em que os textos satíricos e os escritores  põem em causa a ordem dominante – basta lembrarmo-nos de autores como Erasmo, Damião de Góis, o próprio Camões, que surgem, no século XVI,  como os rostos de uma modernidade que não se compadece com os cânones do medievalismo estático e reverencial. Obras como o “Auto da barca do Inferno”, “Auto da Índia” , “Auto da Fama”  ou “ Floresta dos enganos” revelam-nos um autor livre e perspicaz, cujo legado marca um antes e um depois na História do Teatro Português.


 Almeida Garrett

Conta-se que o grande Historiador português, Alexandre Herculano passeava em Lisboa, pela rua, quando viu um volume numa livraria que lhe chamou a atenção. Viu de relance a obra, que não estava assinada com o nome do autor, identificou-a,  e disse sem hesitação que aquele era um livro de Almeida Garrett, um homem com um talento tão  invulgar que já nem sabia  o que fazer com tanta genialidade.
Génio é uma palavra que assenta que nem uma luva a João Baptista da Silva Leitão  de Almeida Garrett. Natural do Porto – no ano de 1799 – Almeida Garrett desde muito novo manifestou não só uma enorme inteligência e talento literário, como uma convicção inabalável na causa Liberal.

Participou ativamente na Revolução liberal de 1820, lutou contra o Golpe da Vilafrancada dado pelas forças de D. Miguel e acabou exilado em França e  Inglaterra, regressando em 1832 na expedição de D. Pedro IV – D. Pedro I do Brasil – na companhia de outros vultos como Alexandre Herculano, que desembarcou no Mindelo, em Vila do Conde, e que venceu as tropas miguelistas no cerco do Porto, restaurando o liberalismo em Portugal.
O Teatro ocupa um lugar central na vida de Almeida Garrett. Foi enquanto estudava Direito na Universidade de Coimbra que encenou a peça “Catão”,  e  nunca deixou de ser, não só um grande criador Teatral,  como um lutador incansável pela  valorização desta arte.
É a ele que se deve o impulso para construir o Teatro Nacional D.Maria II e a criação do Conservatório de arte dramática. Excelso orador parlamentar, autor de obras primas da Literatura portuguesa como “ Viagens na minha Terra” ou os poemas “ Camões” “ Dona Branca”  ou “ Folhas Caídas”, escreveu a peça “ Frei Luís de Sousa”, uma história de um homem que regressa da batalha de Alcácer Quibir, e que é uma evocação da traumática derrota de D. Sebastião.
Provavelmente a peça mais emblemática da história do Teatro Português de um homem que, também nesta arte, mostrou uma genialidade única.
 
Os Jesuítas: os pais do Teatro no Brasil
As primeiras peças de Teatro no Brasil foram escritas no século XVI pelos Jesuítas. A companhia de Jesus  que se instalou em terras brasileiras, após a chegada dos portugueses, tinha como principal missão catequizar os índios e encontrou no Teatro um veículo propício  para a evangelização. 
Reconhecendo nas tribos locais um gosto especial pela música, a dança e a oratória – um dos episódios mais caricatos da expedição de Pedro Álvares Cabral foi  quando um dos elementos da mesma, Diogo Dias, começou a tocar a gaita que trouxe de Portugal, dançando com os índios – os Jesuítas sentiram que a acção teatral facilitaria a comunicação,  a educação religiosa e a transmissão da palavra sagrada.
As primeiras peças foram escritas em tupi, português ou espanhol, e versavam sobre temas como o amor ou o temor a Deus com personagens como anjos, demónios ou imperadores. O Padre Anchieta destacou-se na escrita de peças como o “Auto da pregação universal”, escrito entre 1567 e 1570 , ou  “ Na festa de S. Lourenço”, sobre o mistério, e os atores eram índios, padres jovens, mamelucos e brancos.  
Registe-se a título de curiosidade que o Teatro era então matéria obrigatória ensinada   nas humanidades, nos Colégios  da Companhia de Jesus. Só estavam proibidas as personagens femininas nas peças para evitar o empolgamento dos jovens padres.  

Nelson Rodrigues
Nelson Falcão Rodrigues nunca deixou ninguém indiferente. Afinal é dele a frase “ toda a unanimidade é burra” e  sempre se afirmou como uma personalidade vincada, um autor com imenso talento, e um dramaturgo que marcou o Teatro brasileiro.
Nascido no Recife em 1912, foi viver para o Rio de Janeiro em 1916, e já adulto começou a trabalhar no Jornal “ A manhã”, passando mais tarde pelo “ Globo” pelo “ O Jornal” . Afirmou-se como um cronista extraordinário a fazer  a cobertura policial,  a escrever deliciosas críticas sobre o futebol, e até a escrever folhetins de novela sob o pseudómino “ Susana Flag”.
O êxito deste folhetim que apresentou no “ O Jornal” levou-o a escrever a sua terceira peça “ Álbum de família”. Antes já tinha escrito “ A mulher sem pecado”, sem grande sucesso”, e “ Vestida de noiva”, que causou sensação e escândalo na sociedade brasileira pela crítica que fazia à família convencional e aos preconceitos sociais e sexuais.  
É autor de várias peças de teatro, romances, contos, crónicas futebolísticas, e em todos os géneros deixou uma herança que ainda hoje se faz sentir na Literatura brasileira. Nelson Rodrigues ou como ele se definiu para a posteridade : “ sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura … o buraco da fechadura é a minha óptica de ficcionista … sou e sempre fui um anjo pornográfico desde menino”.
 Autor: Rui Marques

Millôr Fernandes: morreu um mestre do humor em Língua Portuguesa














Morreu um dos grandes mestres do humor em Língua Portuguesa. Um grande homem de cultura que criou, no tempo da Ditadura, o jornal contestatário " O pasquim", e foi sempre um crítico das Ditaduras e convenções sociais.

Dos seus admiradores do Sotaques Brasil/Portugal e de todos os nossos amigos portugueses e brasileiros
Até sempre, mestre Millôr, com um sorriso nos lábios


Autor: Rui Marques

Homenagem a Chico Anysio



Hoje queremos homenagear Chico Anysio, que morreu na semana passada, deixando saudades a um público que o amava como a poucos humoristas. Era admirado no Brasil e em Portugal,  e considerado pelos seus pares como uma grande referência no humor, na capacidade de improvisar e na criatividade incessante – inventou  mais de 200   personagens, ao longo da sua carreira.
Nascido em Maranguapé, no Ceára, em 1930, a história de Francisco Anysio de Paula Filho é marcada,  aos 8 anos, pela  mudança do Ceará para o Rio de Janeiro, com a mãe e os três filhos . O pai ficou no Ceára para tentar recuperar as finanças da família – devido a um incêndio na Empresa de autocarros que este tinha – e o jovem Chico faz-se à vida desde muito novo.
Chega a estudar  Direito mas a vocação artística é mais forte – concorre a um teste para a Rádio Guanavara, em 1940, e fica em segundo atrás de Sílvio Santos, passando a imitar vozes e a atuar em programas de amor. Muda para a Rádio Mayrink Veiga onde escreve três programas semanais e nasce a sua personagem mais célebre – a Escolinha do Professor Raimundo.
Ao êxito na Rádio da Escola do Professor Raimundo  segue-se uma versão na Televisão,  no final dos anos 50,   e chega à TV Globo nos anos 70 . Na década de 90, o programa ganha autonomia e torna-se num  ponto de encontro entre cómicos da velha guarda e a nova geração do humor brasileiro .  
Entre as personagens mais célebres que criou contam-se, além do Professor Raimundo, Painho, Bento Carneiro, Bozó ou Zé Tamborim. Também apresentou outros programas de Televisão  como Chico Anysio Show, Chico Total ou Chico City.
Além de escrever e interpretar as suas personagens, Chico Anysio compunha músicas, pintava e escreveu contos e peças de Teatro. Em 2009 foi o tema da Escola Unidos do Anil, no Rio de Janeiro com o enredo “ Chico Total !!Sou Anil e Faço Carnaval”.
Uma homenagem justíssima para aquele a que o Jornal O Globo chamou “ o pai do humor brasileiro”, quando deu a notícia da sua morte.  

Autor: Rui Marques

Fernanda Montenegro e Eunice Munõz: o grande Teatro no feminino



Fernanda Montenegro e Eunice Munõz: o grande Teatro no feminino

Fernanda Montenegro é provavelmente a atriz brasileira mais reconhecida e respeitada do século XX e XXI. Para isso contribuiu uma carreira impar que começou pelo Teatro, passou pela Televisão e pelo Cinema, e a levou à nomeação para o Óscar de melhor actriz em 1998, e a vencer, na categoria de melhor filme, os Festivais de cinema de Berlim e o Globo de Ouro para melhor filme estrangeiro com Central do Brasil, realizada por Walter Sales.
Arlette Pinheiro Esteves Torres, que depois adoptou o nome artístico de Fernanda Montenegro, nasceu no Rio de Janeiro em 1929. A  sua ligação ao Teatro vem da adolescência, pois inscreveu-se aos 15 anos num Concurso para locutoras na rádio MEC, foi aceite e começou a  trabalhar como locutora e, posteriormente,  a fazer rádio novelas.
Em 1950 inicia a sua carreira nos palcos teatrais com a peça “  Alegres canções na Montanha”, ao lado do marido Fernando Torres. Paralelamente também começa a trabalhar na TV Tupi do Rio de Janeiro – é a primeira actriz contratada por esta emissora – e entre 1951 e 1953 participa em 80 peças exibidas nos programas “ Retrospectiva do Teatro Universal” e “ Retrospectiva do Teatro Brasileiro”.
Fernanda Montenegro teve uma extraordinária carreira no Teatro, Televisão e Cinema. No Teatro interpretou os grandes dramaturgos brasileiros e estrangeiros – Nelson Rodrigues, Millôr Fernandes  Augusto Boal, Tchekov, Beckett, Harold Pinter – no cinema para além do grande êxito que foi “ Central Brasil” participou em inúmeros filmes – e na Televisão deixou a sua marca em novelas   como “ A Guerra dos sexos”, ao lado de outra grande figura  da representação brasileira, Paulo Autran, “Cambalacho” , “ Sassaricando” ou a mais recente “ As Brasileiras”.
Eunice Muñoz teve a melhor Escola de aprendizagem teatral que uma atriz poderia desejar. Nascida em 1928, na Amaraleja, no  Alentejo profundo, veio estudar para o Conservatório em Lisboa, iniciando a sua vida profissional na Companhia de Teatro Rey Colaço/ Robles Monteiro em 1941 com a peça “ Vendaval” no Teatro Nacional D. Maria II.
Amélia Rey Colaço é considerada, por unanimidade,  a mais importante atriz portuguesa da primeira metade do século XX, e a Companhia Rey Colaço/Robles Monteiro era, naquela época,  a grande referência em termos de grupos teatrais. Por isso, essa passagem de testemunho entre Amélia Rey Colaço e Eunice Muñoz, foi muito importante para a sua afirmação como actriz.
Compatibiliza os seus trabalhos no Teatro Nacional com a participação  em peças no  Teatro de Variedades, ao lado de Vasco Santana e Miriam Casimiro. Tal como Fernanda Montenegro , atua  no cinema em filmes como “ Camões” de Leitão Barros, que lhe valeu ,em 1946,  o prémio do Secretariado nacional de informação para melhor actriz de cinema do país.  
Os paralelismos entre Eunice Munõz e Fernanda Montenegro não acabam aqui : ambas possuem um infindável número de peças teatrais com os grandes autores nacionais e estrangeiros – Eunice interpretou, por exemplo, várias peças de Almeida Garrett ou José Régio, entre outros autores nacionais – foram reconhecidas pelos seus trabalhos no cinema e deixaram-nos personagens inesquecíveis nas novelas – destaque para a figura de Dona Branca inspirada num caso real, interpretada por Eunice Muñoz, na novela “ A Banqueira do povo” de Walter Avancini em 1993.
Mas o que as une mais, para além de serem da mesma geração – com um ano de diferença – é o talento polifacético que revelam. E que só as grandes atrizes e actores conseguem ter com tanta exuberância e riqueza no Teatro, Cinema e Televisão.  

Autor: Rui Marques


Semana do Teatro




Grande semana do Teatro no Sotaques com homenagens a Chico Anysio,  Raul Solnado, Almeida Garrett, Nelson Rodrigues, Fernanda Montenegro e Eunice Munõz
Caros amigos e amigas do Sotaques:
O espetáculo vai começar. Nesta semana tão especial para uma das artes mais queridas aquém e além do Atlântico, em Portugal e no Brasil – o Teatro – queremos fazer uma sentida homenagem também a duas grandes  figuras que muito devem à representação teatral – os humoristas  Chico Anysio, falecido a semana passada, e Raul Solnado que morreu em 2009, a dois autores emblemáticos da História do Teatro português e brasileiro – Almeida Garrett e Nelson Rodrigues, e às duas grandes damas do Teatro português e Brasileiro – Eunice Muñoz e Fernanda Montenegro.
O Teatro que é não só uma arte como uma mãe de artes- a Televisão e o cinema são devedoras da Escola que forjou e continua a forjar grandes actores, e que é o espaço onde o actor tem de provar o seu talento e a sua veracidade perante o público, sem intermediários. Mas desenvolver um Teatro é igualmente uma prova de civilização para qualquer Nação: como escreveu o  pai fundador do Teatro Nacional e autor de uma  das peças mais comoventes do Teatro Português “ Frei Luís de Sousa”, Almeida Garrett : “o Teatro é um grande meio de civilização,  mas não prospera onde a  não  há”.
A grande dama do Teatro brasileiro, Fernanda Montenegro, resumiu deste modo tão simples, numa entrevista,  o que procura quando trabalha no Teatro: “o nosso critério não é escolher  papéis, mas procurar peças que queiram dizer alguma coisa; fazer Teatro é um destino”. Portanto, caros amigos, preparem-se porque a peça vai começar e vão gostar de assistir a esta grande semana do Teatro no Sotaques.
Autor: Rui Marques


Morreu António Tabucchi : um amante de Portugal, de Pessoa e da Língua Portuguesa



Conta António Tabucchi que se começou a interessar pela Literatura portuguesa quando ficou intrigado com o insólito  título " Tabacaria"  do famoso poema Tabacaria de Fernando Pessoa, que encontrou na Sorbonne  em França . A partir daí, como se se tratasse de um percurso místico de procura da iluminação interior, não descansou enquanto não conheceu melhor aquela língua doce e nostálgica, não comprou uma casa  e se deixou encantar por  Lisboa,  e se envolveu no Universo imenso daquele poeta que inventava heterónimos com uma criatividade divina.
Mas este escritor italiano fez mais que isso: escreveu três livros ambientados em Portugal " Os últimos três dias de Fernando Pessoa", " Afirma Pereira" e " A cabeça perdida de Damasceno Monteiro". Dominava tanto a língua italiana como a portuguesa, foi professor de Língua portuguesa na Universidade de Bolonha, a sua tese foi subordinada ao tema " O surrealismo em Portugal" e era um exímio tradutor de Pessoa, especialista na sua  obra , além de um grande escritor com uma escrita criativa, inteligente e que defendia, acima de tudo, a liberdade contra todas as formas de totalitarismo.
Morreu hoje na sua amada Lisboa,  aos 68 anos. Dele fica o legado de paixão por Fernando Pessoa e por Portugal e por essa Língua que venerava e cultivava com todo o prazer. 

Autor: Rui Marques 

Café com Sotaques


Entrevista com Ruth Teixeira, Presidente da Associação Mais Brasil

Associação Mais Brasil promove a relação luso-brasileira
Ruth Teixeira é a atual Presidente da Associação Mais Brasil no Norte do país.  Uma Instituição criada em 2005,  e que se tem destacado na defesa  dos direitos  comunidade brasileira no Norte do país. Nesta entrevista falamos com ela do trabalho de uma Associação que não quer apenas ser  um ponto de apoio para os brasileiros que vivem no Norte,  como também  tornar-se um  elo de ligação mais forte entre  portugueses e os brasileiros. 

P – Há quanto tempo está em Portugal e o que é que  motivou que viesse para cá ?

R – Estou há cerca de catorze anos. Vim a Portugal por motivos de lazer, gostei e acabei por ficar no Porto.  
Trabalhei primeiro numa Instituição social dirigida por uma brasileira, depois como promotora de vendas e na área da Hotelaria. Mas sempre senti um grande apelo da área social – incutida também pelos meus pais -   e quando soube que foi criada  a Associação Mais Brasil, em 2005, quis fazer parte dela. Comecei como voluntária, mais tarde fui vice-Presidente e a partir de 2010 acabei por me tornar Presidente da Associação.  

P –  Qual é o trabalho desta Associação ?

R- Essencialmente a nossa acção é ajudar a comunidade brasileira a integrar-se em Portugal. E esse auxílio é feito através de aconselhamento jurídico, disponibilização de informações úteis para quem chega ao país, realização de Workshopops sobre a lei da emigração e as famílias  e outros temas, bem como apoio psicossocial que permita às pessoas enfrentar os problemas que encontram cá.
Trabalhamos com o Centro de apoio de emigrantes de migrações São Cirilo, o Secretário Diocesano de migrações   temos o apoio do ACIDI – Alto Comissariado para a imigração e diálogo inter-cultural e   do Consulado.   

P – Também prestam um apoio às mulheres brasileiras reclusas em prisões. Como funciona este Projeto ?

R – Prestamos esse serviço na Prisão de Santa Cruz do Bispo. Consiste numa série de atividades sociais e pedagógicas que desenvolvemos com o intuito de reforçar a auto-estima dessas mulheres e de as preparar para os desafios que irão enfrentar quando saírem da cadeia.
P – Tem tido êxito ?
R – Sem dúvida. Sentimos que elas necessitam desse reforço positivo e respondem de uma forma imediata quando as tentamos ajudar. 

P – Que eventos ou iniciativas realizam ao longo do ano direccionados para a comunidade brasileira ?
R – Desenvolvemos eventos regularmente  em parceria com outras Associações como a festa de Carnaval, a festa junina, celebramos o Dia da mulher, organizamos a feijoada da independência. Também participamos na festa dos povos, promovida pelo Secretariado Diocesano das Migrações.
Também participamos na organização  do  Congresso Internacional das Migrações no Porto, que teve um grande acolhimento e foi um evento muito valorizado.  
P – A mulher continua arredada dos cargos dirigentes nas mais variadas Entidades – Empresas, Instituições etc. Encontra alguma explicação para este facto ?

R – Acho que gradualmente isso está a mudar. As mulheres estão a ganhar um espaço mais justo nas várias áreas.
Na área social elas já são a maioria e acredito que é uma questão de tempo até estarem mais representadas nos sectores ligados ao poder político e à economia.
P – Como podemos reforçar mais a relação entre a comunidade brasileira em Portugal e no Porto e os portugueses ?

R – Sobretudo é importante que os eventos juntem portugueses e brasileiros, que não estejam circunscritos à comunidade emigrante.
Porque essa inter-acção faz com que os brasileiros se integrem melhor no país de origem e é benéfica para todos. 

P – Que conselho  diria a uma jovem que quisesse trabalhar na área do apoio aos emigrantes ?

R – Eu acho que é fundamental que tenha vontade de ajudar. Sem isso não vai conseguir trabalhar na área social.
Que disponibilize o seu tempo – seja ele qual for – para as atividades da Associação e que se empenhe em tudo o que fizer. A nossa recompensa é conseguir melhorar a vida das pessoas – lembro-me de um caso de uma rapariga emigrante com uma doença grave e sem recursos  que, graças a uma série de apoios que conseguirem várias Entidades entre as quais a Associação Mais Brasil, voltou ao Brasil.

Dar alegria e esperança aos outros é a melhor recompensa que podemos ter.


Autor: Rui Marques


Dia Mundial da Água




Hoje é dia Mundial da Água:

A Água  é o bem mais precioso para a sobrevivência dos seres vivos

A Água  constitui 70% do nosso corpo

A Água  serve para que as plantas cumpram o seu ciclo e nos

forneçam  o indispensável oxigénio

A Água  está presente em todas as reacções químicas do organismo humano

A Água  sacia a nossa   sede

A Água  hidrata os nossos alimentos

A Água é  utilizada  para a nossa higiene diária

Por isso …

Chegou a a Hora de dar e não apenas de receber

Cuide da Água, preserve-a, defenda-a contra as agressões internas e externas

 porque ela é VIDA 

A SUA VIDA



Autor: Rui Marques

Poetas com sotaques: Eugénio de Andrade

Poetas com sotaques: Ferreira Gullar

Dia Mundial da Poesia


A Poesia é uma paixão que une o Atlântico. Os portugueses e os brasileiros amam-na profundamente, porque é nela que a Língua portuguesa desagua com maior fluência, beleza, simetria, perfeição.
A nossa Língua é como um mar poderoso que se alimenta dos Rios da lusofonia – de Portugal, do Brasil, de África, de todos os lugares onde se fala, se escreve, se pensa, se sonha, se ama em português. Neste dia mundial da Poesia homenageamos dois grandes poetas: Eugénio de Andrade e Ferreira Gullar, dois artistas que modelaram a língua como uma pedra preciosa, em que nada está a mais no poema – ele contêm todo o significado – e que compartilham a honra de ter ganho o Prémio Camões.
Eugénio de Andrade é o pseudómino literário de José Fontinhas – nascido a 19 de Janeiro de 1923,  na freguesia de Póvoa da Atalaia, no Fundão. Foi viver para Lisboa aos dez anos, com a mãe, tendo frequentado o Liceu Passos Manuel e a Escola técnica Machado de Castro, começando a escrever os primeiros poemas na adolescência.
Mais tarde inicia  uma carreira de funcionário público como inspector administrativo do Ministério da Saúde e, fruto de uma transferência de serviço, muda-se para o Porto em 1950. Dois anos antes viu  a sua obra “ As mãos e os frutos” ser aplaudida pela crítica e merecer rasgados elogios de intelectuais como Jorge de Sena ou Vitorino Nemésio.
A sua poesia caracteriza-se por uma depuração cuidada  da palavra, um lirismo que exalta a natureza e deixa o leitor maravilhado. Ganhou prémios tão importantes como o Grande prémio de poesia da Associação portuguesa de escritores ( 1989) e o prémio Camões ( 2001), vindo a falecer em 2005 vítima de uma doença oncológica.
É unanimemente considerado um dos grandes vultos poéticos da segunda metade do século XX português.
Também Ferreira Gullar é um  pseudómino literário do escritor brasileiro José Ribamar Ferreira que nasceu a 10 de Setembro de 1930, em São Luís. Fez parte dos movimentos literários do seu tempo – do movimento pós-modernista no Maranhão e no Rio de Janeiro no movimento da poesia concreta.
Na sua obra destaca-se o célebre “Poema Sujo” ( 1975), escrito no exílio provocado pela repressão  da  Ditadura militar brasileira aos intelectuais brasileiros , e gravado por Vinicius de Moraes. Poema “Sujo” é uma pedrada no charco do formalismo poético através de uma linguagem que nos impressiona pelo uso do calão e da gíria com conotações sexuais, demonstrando uma liberdade que era muito rara na  época.
Tal como Eugénio de Andrade, Ferreira Gullar venceu o prémio Camões em 2010. Ambos são duas vozes singulares no universo poético da Língua portuguesa.
Homenageamo-los hoje neste dia mundial da poesia. Aos amigos do Sotaques pedimos que os leiam com devoção religiosa e prazer.
A eles e a tantos e tantos poetas portugueses e brasileiros. Porque se há atividade humana que nos aproxima de um Deus criador, essa é indiscutivelmente a arte da poesia.
 Autor: Rui Marques


Camilo Castelo Branco: Biografia de escrita e paixão



Amava demais. E escrevia com a cadência e a  fúria avassaladora dos apaixonados. 
Camilo Castelo Branco nunca separou a escrita do amor. Não só nos legou " Amor de Perdição", certamente a obra mais poderosa alguma vez escrita por um romancista português sobre a crueldade dos amores,  como ele próprio, em vida , foi uma personagem profundamente romântica.
Camilo Castelo Branco nasceu em Lisboa a 16 de Março de 1825 na Freguesia dos mártires. Foi registado como filho de mãe incógnita - curiosamente tal como o outro grande romancista português do século XIX, Eça de Queiroz- e foi  viver para Trás-os-Montes com parentes  devido à morte do pai. 
Com apenas 16 anos, o ainda adolescente Camilo apaixonou-se por Joaquina Pereira de França de 15 anos , em Ribeira da Pena, casou-se com ela e fruto dessa relação nasceu uma filha. Posteriormente conheceu  em Vila Real Patrícia Emília do Carmo de Barros, num regresso da vida académica no Porto,  os dois fugiram para Coimbra e acabaram por ser presos na Cadeira da Relação do Porto -  quando foram libertados mantiveram a relação e dela nasceu  Bernardina Amélia.
A relação mais duradoura de Camilo foi com Ana Plácido.  Era casada com Manuel Pinheiro Alves, mas apaixonou-se por Camilo Castelo Branco e essa ligação adúltera levou o marido a processá-la por adultério em 1860 - foi presa e o escritor entregou-se ficando os dois prisioneiros na Cadeia da Relação do Porto. 
Depois da morte de Manuel Pinheiro Alves,  foram viver juntos e tiveram três filhos . Ana Plácido era uma mulher talentosa que o ajudava nos seus projectos literários e  também escrevia sob pseudónimo: acabou por sobreviver  ao suicídio do poeta em São Miguel de Seide, Vila Nova de  Famalicão a 1 de Junho de 1890, devido  à  perda progressiva da visão causada pela Sífilis que deixou  Camilo sem poder ler ou escrever, uma dor a que não resistiu matando-se com um tiro de pistola. 
Com esta intensa Biografia amorosa que está incompleta - conhecem-se relações fugazes com a Freira Isabel Cândida Vaz Mourão, Maria Isabel do Couto Browne ou a Governanta Carlota de Sá - não espanta a riqueza e profundidade das suas obras. " Amor de Perdição", " Memórias do Cárcere" são indissociáveis da sua experiência na Cadeia da Relação, " A Brasileira de Pranzins" ou " Eusébio Macário" nunca seriam escritas sem o seu mordaz conhecimento dos vícios da burguesia e pequena aristocracia rural, e " A queda de um Anjo" revela uma visão sarcástica dos meandros da política, relatando a ascensão e queda de um ingénuo deputado de província no Parlamento, onde sucumbe aos cantos de sereia do poder. 
Em todas elas adivinha-se a mestria de um escritor que foi considerado por Miguel de Unamuno como o maior romancista da Península Ibérica. Camilo Castelo Branco - o homem que escrevia e amava com a mesma entrega absoluta e apaixonada. 

Autor : Rui Marques