Os criadores do Teatro português e brasileiro
O
Teatro é, simultaneamente, uma arte intuitiva e reflexiva. A intuição é obra do
ator que tem de expressar, num palco, a verdade de um Texto, e é um ato de
reflexão na medida em que resulta de uma
história contada por um criador, de alguém que imagina um espetáculo.
Neste
texto vamos falar de alguns dos grandes criadores do Teatro português e
brasileiro. Figuras que transcenderam o próprio Teatro – porque o Teatro se
transcende naturalmente a si próprio, é uma visão global da sociedade, muito
maior que o espaço delimitado pelo palco – e que fizeram dele a grande Escola
de atores, que maravilharam gerações e gerações em Portugal e Brasil.
Gil Vicente
Em
Portugal tudo começa com ele. É o primeiro grande dramaturgo português e,
segundo várias opiniões, o primeiro ibérico – porque escrevia também em castelhano.
Desconhece-se
se nasceu em Guimarães ou Barcelos, e a
data de nascimento mais provável a que os estudos apontam é de 1490. Sabe-se
que era poeta, músico, ator e encenador e, dizem alguns historiadores, que seria também ourives, autor da Custódia
de Belém – essa hipótese é reforçado pelo grande domínio que Gil Vicente
mostra, nas suas peças, dos termos técnicos
da ourivesaria.
O
que é indesmentível é o seu talento para o Teatro – escreveu a sua primeira
peça em Castelhano “Auto da Visitação” também conhecido como “Monólogo do
Vaqueiro”, que foi representada na Corte ao rei
D. Manuel I e D.Maria e à viúva de D. João II, D. Leonor , celebrando o
nascimento do seu filho D. João – futuro D. João III – na noite e 8 de Junho de
1502. A partir desse momento, torna-se responsável dos eventos palacianos,
desenvolvendo a sua criatividade e inovando com um Teatro crítico da sociedade
portuguesa e das grandes diferenças sociais entre classes.
A
sua obra reflecte a passagem de uma rígida sociedade medieval para uma
sociedade moderna, crítica, em que os textos satíricos e os escritores põem em causa a ordem dominante – basta
lembrarmo-nos de autores como Erasmo, Damião de Góis, o próprio Camões, que
surgem, no século XVI, como os rostos de
uma modernidade que não se compadece com os cânones do medievalismo estático e
reverencial. Obras como o “Auto da barca do Inferno”, “Auto da Índia” , “Auto
da Fama” ou “ Floresta dos enganos”
revelam-nos um autor livre e perspicaz, cujo legado marca um antes e um depois
na História do Teatro Português.
Almeida
Garrett
Conta-se
que o grande Historiador português, Alexandre Herculano passeava em Lisboa,
pela rua, quando viu um volume numa livraria que lhe chamou a atenção. Viu de
relance a obra, que não estava assinada com o nome do autor, identificou-a, e disse sem hesitação que aquele era um livro
de Almeida Garrett, um homem com um talento tão
invulgar que já nem sabia o que
fazer com tanta genialidade.
Génio
é uma palavra que assenta que nem uma luva a João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett. Natural do Porto – no ano
de 1799 – Almeida Garrett desde muito novo manifestou não só uma enorme
inteligência e talento literário, como uma convicção inabalável na causa
Liberal.
Participou
ativamente na Revolução liberal de 1820, lutou contra o Golpe da Vilafrancada
dado pelas forças de D. Miguel e acabou exilado em França e Inglaterra, regressando em 1832 na expedição
de D. Pedro IV – D. Pedro I do Brasil – na companhia de outros vultos como
Alexandre Herculano, que desembarcou no Mindelo, em Vila do Conde, e que venceu
as tropas miguelistas no cerco do Porto, restaurando o liberalismo em Portugal.
O
Teatro ocupa um lugar central na vida de Almeida Garrett. Foi enquanto estudava
Direito na Universidade de Coimbra que encenou a peça “Catão”, e
nunca deixou de ser, não só um grande criador Teatral, como um lutador incansável pela valorização desta arte.
É a
ele que se deve o impulso para construir o Teatro Nacional D.Maria II e a
criação do Conservatório de arte dramática. Excelso orador parlamentar, autor
de obras primas da Literatura portuguesa como “ Viagens na minha Terra” ou os
poemas “ Camões” “ Dona Branca” ou “
Folhas Caídas”, escreveu a peça “ Frei Luís de Sousa”, uma história de um homem
que regressa da batalha de Alcácer Quibir, e que é uma evocação da traumática
derrota de D. Sebastião.
Provavelmente
a peça mais emblemática da história do Teatro Português de um homem que, também
nesta arte, mostrou uma genialidade única.
Os Jesuítas: os pais do Teatro no Brasil
As
primeiras peças de Teatro no Brasil foram escritas no século XVI pelos
Jesuítas. A companhia de Jesus que se
instalou em terras brasileiras, após a chegada dos portugueses, tinha como
principal missão catequizar os índios e encontrou no Teatro um veículo propício para a evangelização.
Reconhecendo
nas tribos locais um gosto especial pela música, a dança e a oratória – um dos
episódios mais caricatos da expedição de Pedro Álvares Cabral foi quando um dos elementos da mesma, Diogo Dias,
começou a tocar a gaita que trouxe de Portugal, dançando com os índios – os Jesuítas
sentiram que a acção teatral facilitaria a comunicação, a educação religiosa e a transmissão da
palavra sagrada.
As
primeiras peças foram escritas em tupi, português ou espanhol, e versavam sobre
temas como o amor ou o temor a Deus com personagens como anjos, demónios ou
imperadores. O Padre Anchieta destacou-se na escrita de peças como o “Auto da
pregação universal”, escrito entre 1567 e 1570 , ou “ Na festa de S. Lourenço”, sobre o mistério,
e os atores eram índios, padres jovens, mamelucos e brancos.
Registe-se
a título de curiosidade que o Teatro era então matéria obrigatória
ensinada nas humanidades, nos
Colégios da Companhia de Jesus. Só
estavam proibidas as personagens femininas nas peças para evitar o empolgamento
dos jovens padres.
Nelson Rodrigues
Nelson
Falcão Rodrigues nunca deixou ninguém indiferente. Afinal é dele a frase “ toda
a unanimidade é burra” e sempre se
afirmou como uma personalidade vincada, um autor com imenso talento, e um
dramaturgo que marcou o Teatro brasileiro.
Nascido
no Recife em 1912, foi viver para o Rio de Janeiro em 1916, e já adulto começou
a trabalhar no Jornal “ A manhã”, passando mais tarde pelo “ Globo” pelo “ O
Jornal” . Afirmou-se como um cronista extraordinário a fazer a cobertura policial, a escrever deliciosas críticas sobre o futebol,
e até a escrever folhetins de novela sob o pseudómino “ Susana Flag”.
O
êxito deste folhetim que apresentou no “ O Jornal” levou-o a escrever a sua
terceira peça “ Álbum de família”. Antes já tinha escrito “ A mulher sem
pecado”, sem grande sucesso”, e “ Vestida de noiva”, que causou sensação e
escândalo na sociedade brasileira pela crítica que fazia à família convencional
e aos preconceitos sociais e sexuais.
É
autor de várias peças de teatro, romances, contos, crónicas futebolísticas, e
em todos os géneros deixou uma herança que ainda hoje se faz sentir na
Literatura brasileira. Nelson Rodrigues ou como ele se definiu para a
posteridade : “ sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura … o buraco
da fechadura é a minha óptica de ficcionista … sou e sempre fui um anjo
pornográfico desde menino”.
Autor: Rui Marques