Raul Solnado e Paulo Autran: dois talentos sem idade

O Teatro é um espaço de prodigiosa metamorfose. Como a personagem de Gregor  na famosa obra de Kafka, o ator reinventa-se, torna-se outro, explora as múltiplas facetas que um ser humano possui – é como a borboleta que emerge da crisálida.
Raul Solnado e Paulo Autran marcaram o público português e brasileiro pela versatilidade mágica que mostravam em cada espetáculo. Foram magos da representação, porque afirmaram-se  como os heterónimos de Pessoa, tão diferentes uns dos outros na mensagem que nos legaram – e não será o próprio Fernando Pessoa, e os seus heterónimos, um exemplo de representação teatral, e uma homenagem à própria arte de criação de personagens infinitas que é o  Teatro ?

Raul Solnado
Façam favor de ser felizes !!! Foi  com este epitáfio nada triste, nem desconsolado que nos deixou Raul Solnado,  antes de morrer em 2009.
Lisboeta, nascido em 1929,  começou por fazer Teatro amador na Sociedade de Instrução Guilherme Cossoul, profissionalizando-se em 1952. Estreou-se no Teatro de revista com a peça “ Viva o luxo” no Teatro Monumental, seguindo-se espetáculos como “ Ela não gostava do patrão” ou “Três rapazes e uma rapariga”, e a participação em vários filmes.
Foi com a rábula “ A guerra de 1908”, inspirada no cómico espanhol Gila, que Raul Solnado alcançou um grande sucesso na Revista “ Bate o pé” no Teatro Maria Vitória, em 1961. É também na década de 60 que cruza o Atlântico, atuando nos dois países,  e obtendo  grande sucesso no Brasil com o programa “ Raul Show …naldo” na TV Rio e “ Sete no sete” na Record – destaque-se igualmente, em 1973, a presença de Raul Solnado ao lado de  Chico Anysio na inauguração do programa dominical “ Fantástico”, uma das maiores referências da Televisão brasileira.

Em 1969 a sua popularidade dispara-se com a emissão do programa “ Zip, Zip”, no Teatro Villaret, junto com Fialho Gouveia e Carlos Cruz. Na década de 70 também apresenta o Concurso da RTP “ A visita da Cornélia” e, nos anos 80,  apresentou junto com Fialho e Cruz o programa “ E o resto são cantigas”, que revelou grandes nomes da música ligeira portuguesa.
Morreu em 2009, mas sempre com uma ligação profunda ao Teatro – clássico, cómico e de revista. Também foi um benemérito desta arte – foi Diretor da Casa do artista até à sua morte, Instituição que fundou  com Raul Cortez, para proteger os atores na velhice. 

Paulo Autran

Paulo Paquet Autran nasceu no Rio de Janeiro, em 1922,  e mudou-se muito jovem para São Paulo. Formou-se em Direito e participou em várias peças como amador até que se estreou profissionalmente com a peça “ Um Deus dormiu lá em casa”.
Embora namorasse, ao longo da sua carreira, com o cinema e a televisão – com participação em notáveis filmes como “ Terra em Transe” de Glauber Rocha ou telenovelas de grande êxito como “ A Guerra dos sexos”, ao lado de Fernanda Montenegro – a paixão reservou-a para o Teatro, que foi realmente o amor da sua vida.
Todos os grandes clássicos como “ Antígona”, “Otelo”, “ O avarento” ou “Édipo Rei” foram por ele protagonizados com insuperável brilhantez. “ O avarento” em 2006 foi a sua última peça – morreu no ano seguinte – aquele que foi considerado o senhor dos palcos e que, em 2011, foi declarado por lei patrono do Teatro brasileiro.
Autor: Rui Marques