Entre o artista plástico brasileiro, Valter Nu, e os modernistas que mudaram a face artística do Brasil, no século XX, há muito mais ligações que a nacionalidade. Há uma comunhão de espírito experimental que se prolonga pelas décadas, e que caracteriza a classe artística brasileira.
Multifacetado é uma palavra que se ajusta na perfeição à figura do artista plástico Valter Nu. Nascido em Santos, estudou artes visuais na Fundação das Artes em São Caetano do Sul, com formação na área do audiovisual e pós-graduação em semiótica.
O seu percurso está ligado à Prefeitura de São Paulo, onde é artista orientador de artes visuais e artes integradas do programa vocacional da Secretaria Municipal da cultura. Também é Dj, produtor musical e , a nível das suas exposições, caracteriza-se por trabalhar com esculturas feitas com reaproveitamentos de materiais descartados desde 1993.
Essa preocupação ecológica complementa-se com a junção entre o passado e o futuro, entre a tecnologia e as figuras da cultura negra, dos orixás. O tecno-orixás é um projecto inovador que nos mostra esculturas tridimensionais inspiradas em divindades africanas do Candomblé.
São imagens produzidas com restos de materiais tecnológicos descartados, encontrados nas caçambas de entulho da cidade de São Paulo, entre 2010 e 2014. Neste trabalho multicultural resgatam-se as tradições de oralidade da cultura afro-brasileira, que foram divulgadas através das canções populares das canções da música popular brasileira.
A música é omnipresente nestas instalações: existe mesmo um grupo “ Curimba eléctrica”, criado para a festa de inauguração do evento, que apresenta uma performance musical, com Djs e cantores que fazem leituras animadas da exposição.
Na raiz da filosofia que está subjacente aos Tecno-orixás está o sincretismo cultural e religioso. Reunir figuras como Iansã/Santa Bárbara, Ogum/São Jorge, em formas esculturais que estimulam o diálogo entre as diferentes culturas, ou mostrar a riqueza da oralidade cultural afro-brasileira. Também é um projecto que visa alertar para a necessidade de revalorizar a importância da cultura africana nas escolas, nas comunidades, na sociedade.
Valter Nu, com a obra escultural Tecno-orixás, segue a mais rica via da arte brasileira dos séculos XX e XXI. Aquela que vem directamente da influência dos primeiros modernistas brasileiros, que não tinham medo de experimentar, e de pesquisar as origens da cultura brasileira e a sua ligação às diferentes tradições africanas ou índias.
A melhor forma de conservar a tradição é fazê-la dialogar com o presente – só assim se constrói o futuro. Na arte e na vida, como o prova o fascinante projecto dos Tecno-orixás de Valter Nu.
Paulo César
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