Esta edição da revista Sotaques entrevista um artista português e uma artista brasileira – o portuense Paulo Gaspar Ferreira e a paulista Luciana Bignardi – que se reúnem numa parceria luso-brasileira para desvendar um dos tesouros da arte burguesa – as clarabóias da cidade do Porto.
Aconselhava o notável escritor francês Gustave Flaubert, no século XIX, os membros ou aspirantes a esta classe social “ vive como um burguês para que possas reservar toda a radicalidade para a tua arte”. A arte burguesa é certamente o mais refinado produto cultural que a burguesia criou – e as ramificações dessa arte atravessaram os mares, tornando-se num dos grandes movimentos globais nos séculos XVIII, XIX e inícios do século XX.
Portugal e o Brasil foram dois intensos focos dessa vontade de deixar um legado arquitectónico e cultural, baseado numa certa ideia de beleza e de lazer. Curiosamente, a cidade do Porto e a cidade de São Paulo, locais de nascimento desta dupla que se juntou para fotografar as clarabóias na Invicta, são duas urbes que revelam os sinais dessa presença artística poderosa, em muitos dos seus mais emblemáticos edifícios públicos e privados.
Do Porto temos óbvias referências: do Palácio da Bolsa ao Palácio de Cristal, da Casa da Feitoria Inglesa, do Edifício da Alfândega Nova ao Hospital de Santo António, passando pelo Palácio do Freixo ou pela Torre dos Clérigos. Provavelmente os dois edifícios mais característicos deste entendimento da arte sejam o Palácio da Bolsa e o antigo Palácio de Cristal – o Palácio da Bolsa, por motivos óbvios, porque foi mandado construir pelos burgueses, em 1842, para ser o local onde pudessem discutir os seus negócios; o Palácio de Cristal, inaugurado em 1861 com uma estrutura de ferro, granito e vidro, foi projectado pelo arquitecto inglês Thomas Dillen Jones, tendo como modelo o Crystal Palace de Londres.
Em São Paulo também descobrimos tesouros arquitectónicos inspirados nesta corrente: por exemplo, o Teatro Municipal de São Paulo, inaugurado em 1911, tem uma influência clara de edifícios como a Ópera de Paris; a Estação da Luz, construída em 1867 e que alberga actualmente o Museu da língua portuguesa, é outro espaço que tem as marcas da arte burguesa; o Museu do Ipiranga ou a Pinacoteca de São Paulo também revelam os traços característicos desta arte cuja influência atravessou séculos.
Isto para não falarmos dos Palacetes e casas antigas privadas, que proliferam em Portugal e no Brasil, em cidades com o Porto ou São Paulo, com as suas belíssimas clarabóias. No passado, no presente e no futuro, a arte burguesa continua a unir o Brasil e Portugal.
Rui Marques
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