Miguel Torga, o Sabor e o Saber da Terra


Dizia Miguel Torga que o Local era o Universal  sem paredes. E a sua vida foi um extraordinário Hino ao Local, à Terra, à Tradição, aos homens e mulheres comuns das Aldeias, das Vilas, que não têm a visibilidade das grandes cidades, mas são muito mais que notas de rodapé: são a memória viva dos lugares.
Nascido a 12 de Agosto de 1907 e falecido a 17 de Janeiro de 1995, Adolfo Correia da Rocha soube, desde pequenino, que haveria de adoptar o pseudónimo de Miguel Torga. Embora se formasse como Médico em Coimbra, embora exercesse em Leiria e Coimbra com consultório e clientela, o delicado bisturi da escrita estava ali, à espreita, como um destino que teria, fatalmente, de o encontrar.
Não foi nada fácil o caminho: aos dez anos, em 1917, foi viver para casa de parentes no Porto, onde começou a trabalhar, fardado de branco,  como porteiro e moço de recados, despediram-no  por insubmissão e, em 1918, entra para o Seminário de Lamego para se fazer Padre; novamente não se adaptou e, em 1920, vai para o Brasil trabalhar, duramente, numa Fazenda de um Tio.
O Tio ao fim de quatro anos , apercebendo-se da sua inteligência, apoia-o nos estudos no Ginásio Leopoldinense, em Leopoldina. Regressa a Portugal, tira a Licenciatura de  medicina em Coimbra, cidade onde toma contacto com a Geração da Revista Presença e  as suas figuras tutelares – José Régio, João Gaspar Simões e Branquinho da Fonseca.
Em 1930 publica o Livro de poemas  “Rampa”, seguindo-se títulos como “ Tributo” e “Pão Ázimo” . O escritor começava a debater-se com o médico, numa luta interior que se prolongaria por décadas.
A partir daí experimenta também a Prosa. A criação do Mundo, uma das suas obras mais importantes, alerta os esbirros do Estado Novo – é preso em Leiria, onde tinha Consultório e enviado para Lisboa, experiência que relatou nos Diários.
Miguel Torga nunca vergou a espinha ao Salazarismo. A sua escrita foi sempre rebelde – outra das suas obras poéticas mais emblemáticas chama-se  Orfeu Rebelde – e reflectiu o profundo desprezo que sentia pelo regime de Salazar.
Menção especial na sua obra tem os seus Contos. Os Contos da Montanha são um prodigioso retrato da vida das pessoas, das suas dificuldades mas também da solidariedade natural que as une, invisivelmente – por exemplo, o conto sobre a fronteira sobre o amor proibido entre uma contrabandista e um guarda fronteiriço, é comovedor e de uma força que arrebata qualquer leitor.
Após o 25 de Abril, não faltaram vozes a pedir o Nobel para Miguel Torga. Ele nunca o fez.
Quando fechou os olhos a 17 de Janeiro de 1995, deixou-nos uma imensa Herança e um Dever de memória. Cuidar esse imenso Universo que é o Local – as nossas tradições, história, as nossas vilas e cidades, as nossas pessoas.
Somos herdeiros de Miguel Torga. Honremos os seu Testamento vital !!!

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R. Marques
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