Reinventando o Universo
através do Corpo
Céu na Boca é uma síntese da filosofia de
arte desenvolvida, ao longo de 25 anos, pelo coreógrafo e encenador Henrique
Rodovalho Pereira da Companhia Quasar de Goiânia. Que passa por ver os corpos como
Universos que se encontram e desencontram, plenos de energia, de caos, de
liberdade, numa dança constante.
Falámos com Henrique Rodovalho Pereira,
coreógrafo da Quasar, sobre esta Peça
que trouxe ao Porto, no âmbito do FITEI, e procuramos saber mais sobre esta tão
particular e diferente visão do Corpo, do Teatro, da Dança.
P – Este espetáculo aborda a relação entre o
corpo humano e os fenómenos do Universo. Como surgiu esta ideia
?
R – Surgiu naturalmente fruto do meu percurso profissional. Antes da Companhia
Quasar, eu trabalhei num Grupo chamado Energia que, como o próprio nome indica,
já tinha a preocupação com a energia do Corpo, com a ideia de explorar
artisticamente essa vertente.
Mais tarde, na Quasar quis aprofundar essa
fisicalidade. Por exemplo, através da relação que criamos com o Fisioterapeuta
Adriano Bitar, que permitiu aos nossos bailarinos não só diminuir o número de
lesões, como ter uma preparação adequada para desenvolver espetáculos mais
exigentes.
Céu na Boca é, por isso, um produto desse
trabalho.
P – Quais são os maiores desafios que enfrentou
para encenar Céu na Boca ?
R – O mais importante, para nós, foi
desenvolver um estilo próprio. Partimos dessa ideia da energia, da vitalidade,
para trabalhar com um Elenco ao longo de dois anos, pesquisando e explorando os
movimentos dos bailarinos, e mostrando o
caos criativo que se gera a partir de cada gesto.
P – Esta Peça usa o corpo como grande
metáfora do Universo – cada corpo humano que vemos no palco é um Universo com
leis próprias. É desta forma que vê o corpo humano ?
R – Como referi na questão anterior, neste
espetáculo quisemos expressar os corpos como forças do Universo, com uma
gravidade própria e com movimentos que provocam, aleatoriamente, novos
movimentos. Nesse sentido, o corpo é uma metáfora do Universo e o Universo é uma
metáfora do corpo, na medida em que tudo pode acontecer, desde a harmonia às
quedas, da Ordem ao Caos do Real.
P – Quanto tempo demora o trabalho de ensaio
e preparação de uma Peça destas características antes de subir ao Palco ?
R – Realizámos um trabalho intensivo com uma parte teórica e uma componente
prática. Tivemos duas semanas teóricas para fazer o esboço do espetáculo, e 2
meses mais práticos, em que em conjunto com os bailarinos, procurámos encontrar as soluções para cada
instante da Peça, tendo em conta também
a sensibilidade deles.
P – O Teatro e a Dança são duas artes
complementares ?
R – Acho que sim. As duas artes estão unidas
pelo corpo: é o corpo que comunica e faz a ligação com o público, apesar do
Teatro ter a fala como elemento importante, a dimensão corporal, os gestos
permitem uma interacção imediata com as pessoas.
Desse ponto de vista, o Teatro e a Dança
complementam-se. São ambas Artes do corpo humano.
P – Trabalhou com o Ballet da Fundação Gulbenkian. Como foi essa experiência e que
referências tem do Teatro e do Ballet português ?
R – Foi uma ótima experiência. Estive em
Lisboa cerca de 44 dias e tive a oportunidade de conhecer bailarinas de grande
qualidade, entre as quais Vera Mantero, e de experimentar uma nova realidade.
A minha impressão foi muito boa em relação à
qualidade dos profissionais que encontrei aqui.
P – Como vê o panorama do Teatro e Ballet brasileiro na atualidade ?
R – A Cultura no Brasil tem sido promovida a
nível estatal através das Leis do
incentivo, nos últimos 15 anos, embora a Dança não tenha o mesmo peso do cinema
em termos de apoios.
A nossa
companhia conseguiu o patrocínio da
Petrobrás . Não é um caminho fácil, mas creio que é possível as companhias
ganharem o seu espaço e o seu público no Brasil.
P – Desde 1988 que está ligado à Quasar
Companhia de Dança . Que balanço faz do trabalho que fez nas últimas décadas ?
R – Sinceramente não esperávamos atingir este
patamar ao fim de 25 anos. Sobretudo porque somos uma companhia de Goiânia,
longe dos grandes Centros urbanos, e essa distância que podia ser um obstáculo,
transformou-se numa oportunidade, já que tivemos de criar uma linguagem
própria, ligada ao meio envolvente, mais ecológica, que se reflectiu no nosso
trabalho.
P – A Arte deve aproximar os criadores
portugueses e brasileiros ? Como se deve fazer essa aproximação ?
R – Eu acho que é importante esta ligação
através do Ano Brasil – Portugal. Temos, porém, de solidificar a nossa relação artística –
haver maior troca entre as Companhias portuguesas e brasileiras, que Portugal
mostre mais o seu Teatro e a sua Dança no Brasil, que haja parcerias, se
troquem experiências, que os profissionais da Arte portugueses e brasileiros
possam dar aulas, workshops num espírito de intercâmbio cultural.
P - Os habitantes de Goiânia tem um sotaque
particular ?
R – O nosso Sotaque é parecido com o do
Mineiro. A minha família é de Minas, e o nosso Sotaque é mais do interior, mais
carregado, diferente do que se fala no
Rio de Janeiro ou em São Paulo.
P – Uma curiosidade: os apelidos do Henrique
são Rodovalho Pereira. Tem origens portuguesas ?
R – Sim. Rodovalho é o nome de um peixe e
Pereira é um nome muito característico de Portugal.
Não sei de que parte de Portugal, mas tenho
origens portuguesas.
P – Qual é o seu maior sonho como criador ? O
que gostava ainda de criar ?
R – Algo que me orgulho muito, por exemplo,
são as comemorações dos 25 anos da Quasar – vamos ter um diálogo permanente com
outras Artes como a Body Art ou o Cinema, pois convidámos vários cineastas a
criarem filmes a partir da nossa atividade.
Além disso, um sonho que gostava de cumprir
seria ter um Centro Cultural de Arte contemporânea, em Goiânia, onde pudéssemos
ter Festivais culturais, Mostras, divulgando os artistas da Região.
R.
Marques