Nuno Carinhas, em Busca da Música da Língua Portuguesa


Entrevista com Sotaques:  Nuno Carinhas,  em Busca  da Música da Língua Portuguesa
A Peça “ Casas Pardas” é uma revisitação de uma das obras-primas   da Literatura Portuguesa do século XX. Partindo da Obra homónima de Maria Velho da Costa, publicada em 1977, adaptada por Luísa Costa Gomes, fazemos uma viagem pelo Salazarismo através dos diálogos de várias personagens que se fecham  em Casas Pardas,  claustrofóbicas, onde tudo  funciona numa lógica aparentemente eterna e asfixiante.

Conversamos com Nuno Carinhas, Diretor do Teatro Nacional de São João, responsável pela Encenação do espectáculo, sobre esse Tempo passado cuja memória ainda nos fere, nos dias de hoje, e que é também uma homenagem à Música poderosa, incontornável, única que possui a Língua portuguesa,  e que o Teatro recupera como legado para o Futuro, para as Gerações vindouras.

P – Que contacto tinha com esta obra Literária de  Velho da Costa “ Casas Pardas”, escrita em 1977,  e como foi o desafio de traduzir este texto para o  Palco?

Nuno Carinhas – Este Projecto nasceu a partir da ideia do cruzamento de  vários autores,  traduzindo  textos emblemáticos da Literatura Portuguesa para a linguagem mais específica do Teatro – por isso, quisemos que o Jacinto Lucas Pires adaptasse o “ Nome de Guerra do Almada Negreiros e a Luísa Costa Gomes   “ Casas Pardas”, de Maria Velho da Costa.
Relativamente a “ Casas Pardas” é um Livro que admiro, um romance charneira na ficção nacional que além de espelhar esse Tempo cinzento e triste, o faz com um grande domínio da Linguagem e elegância.
P – Luísa Costa Gomes fala-nos de um Romance Teatral na abordagem da Obra. Concorda  com esta definição ?
Nuno Carinhas – Sem dúvida. É um romance teatral porque ensaia várias formas de Literatura no seu interior. Isso fez com que sentíssemos que tínhamos em mãos um Texto invulgar , que devíamos respeitar ao máximo. Procuramos na Peça uma certa economia,  para que não houvesse repetições nem pleonasmos,  palavras ou  gestos a mais, para que o espectador fruísse a beleza dos diálogos e monólogos das várias personagens. 

P – “ Casas Pardas” aborda o Portugal anterior ao 25 de Abril. Que memórias guarda desse Tempo e como era a atividade Teatral então ?
Nuno Carinhas – Eu era relativamente jovem nesta altura e lembro-me que havia um crivo muito forte da parte da censura, existiam autores malditos, proibidos e tínhamos a presença constante dos censores no Teatro. Eles eram pessoas lá de casa, uns privilegiados, e claro,  essa  falta de liberdade prejudicava a nossa atividade.
P – Até que ponto o Portugal de Salazar, com as suas encenações – o próprio Ditador quando já estava doente, na cama, era visitado pelos ministros que o tratavam como se ainda estivesse no Poder – era uma gigantesca  Peça de Teatro no sentido mais profundo do termo ?
Nuno Carinhas  – Julgo que havia uma sensação de imutabilidade no regime. O Estado Novo condicionava a liberdade de expressão e de criação das pessoas, havia uma repressão surda que fazia com que  elas falassem  baixo e tivessem  medo do vizinho, do colega, sentiam-se constrangidas. 
P – A Revista Online Sotaques procura aproximar a Cultura Portuguesa e Brasileira. Aprecia o Teatro Brasileiro e algum autor em particular  ?
Nuno Carinhas – O Nelson Rodrigues é um nome incontornável porque é um autor com uma linguagem própria, mas também posso falar de outro criador como Ariano Suassuna, com um registo mais local. Creio que o Teatro brasileiro tem uma variedade de propostas e autores muito interessante.
P – Valorizamos a língua e a diversidade de Sotaques. Como cultor da palavra,  por excelência, que se dedicam à exploração do texto e da fala,  gosta de algum Sotaque português em particular ?
Nuno Carinhas –  Os Sotaques são essenciais porque nos mostram as possibilidades da Língua. Por exemplo, quando encenamos um Auto de Gil Vicente estamos a recuperar um Património Cultural da nossa forma de falar, das nossas origens. Nos Sotaques há essa musicalidade das palavras que enriquece a nossa ação como criadores.
P – O Teatro Nacional de São João tem boas relações com o Brasil ?
Nuno Carinhas – Desde 2008, assinamos um Protocolo de colaboração com o Serviço Social de Comércio de São Paulo, no âmbito do qual temos desenvolvido várias parcerias.
No âmbito desse Protocolo,  o TNSJ já apresentou  no Brasil Peças como “ Turismo Infinito” ou  “ Sombras – A nossa tristeza é a nossa alegria” da autoria do Ricardo Pais, um tributo que junta   textos de  escritores como o Padre António Vieira, Garrett ou António Ferreira e o universo do Fado. Também já recebemos criações do SSCSP aqui .
P – As parcerias com o Brasil podem ser uma saída para a crise que atravessa o Teatro nacional  ?
Nuno Carinhas – São importantes para podermos fazer essa troca de experiências, de criatividade que é fulcral nesta conjuntura difícil.
P – O TNSJ tem um especial cuidado com os Projectos educativos ?
Nuno Carinhas – Procuramos que as Escolas possam ter um contacto regular com o Teatro Nacional de São João. Através da vinda dos professores e alunos para assistir aos ensaios, da organização de oficinas sistemáticas, de Masterclass,  enfim toda uma série de atividades que aproxima o Teatro aos jovens e que estimula a sua curiosidade e gosto.
P – 2013 está aqui ao virar da esquina. Que balanço profissional faz de 2012 e como projeta a  atividade do TNSJ  em 2013 ?
Nuno Carinhas – Faço um Balanço positivo e reconfortante  de 2012: realizamos os trabalhos que desejávamos e cumprimos o nosso papel de proporcionar uma programação de qualidade aos vários públicos. Quanto ao próximo ano espero que,  apesar das conhecidas restrições orçamentais, possamos dar continuidade ao nosso trabalho. A Cultura e as artes são essenciais para o país,  e é fundamental termos estratégias comuns para valorizá-las.

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R. Marques