Ninguém
fez mais pela divulgação televisiva da
vida natural em Portugal, nas últimas décadas, do que Luís Henrique Pereira.
Este jornalista da Televisão Pública, nascido na cidade do Porto em 1970, é o autor do programa “ Vida animal” da RTP,
o único programa das Televisões portuguesas que, em permanência, nos revela as
singularidades das várias espécies animais em Portugal e fora do nosso país.
O
Sotaques falou com este repórter global
dos ecossistemas naturais, que mostra nesta conversa a sua paixão pela Amazónia
e o Brasil, a sua ligação a ícones dos documentários como o mítico David Attenborought, e o seu compromisso firme em continuar a
fazer Serviço público e aproximar os cidadãos da sua Mãe , a Natureza.
P – “Vida Animal em Portugal e no Mundo” é um
programa singular no contexto da Televisão Portuguesa. Como surgiu a ideia do
programa e por que etapas passou até ser materializado?
L .H. Pereira -
Desde muito pequeno que tenho fascínio pelos animais, pela vida selvagem.
Recordo-me de ir para a que chamo de “Selva Urbana”, uma vez que nasci na
cidade do Porto, e nos jardins capturar os animais mais variados entre abelhas,
escaravelhos, formigas entre outros, devia ter nessa altura uns 8,9 anos. A
ideia era só uma: observá-los mais de perto. Nessa altura, coleccionava cromos de borboletas, mamíferos,
insectos, peixes, enquanto que os meus amigos coleccionavam cromos de futebolistas
ou corredores de Fórmula 1.
A seguir,
veio a fase dos livros que mais me marcaram. São exemplo disso : “O Grande Livro dos Oceanos”, “A Vida na
Terra” e o Planeta Vivo” de Sir David Attenborough, livros como “Os animais da
Terra”, as mais variadas
Enciclopédias da vida animal, tudo isso
eu devorava.
Lembro-me de me levantar cedo, por volta das 7
da manhã, aos fins-de-semana, para
entrar nesse mundo encantatório que existia dentro dessas milhares de páginas
dos mais variados autores como Jane Goodall,
que durante 40 anos, estudou o
comportamento dos chimpanzés em Gombe, na Tanzânia, Gerald Durrel, famoso
divulgador e naturalista, assim como o
grande Félix Rodríguez de la Fuente. Outro dos meus adoráveis autores era, sem
dúvida alguma, Jacques-Yves Cousteau e o
seu admirável “Mundo Submarino”.
Ora,
nos anos 70, 80 passavam na televisão algumas séries feitas por grandes
cadeias internacionais de televisão como é o caso da BBC e, em concreto,
a série
de
13 episódios, idealizada por Sir David
Attenborough, intitulada “A Vida na
Terra”. Um sucesso mundial visto por mais de 500 milhões de telespectadores, em
praticamente todo o mundo.
Lembro-me de nessa altura, ainda não existiam
os primeiros vídeo gravadores, eu gravava junto ao altifalante do
televisor o áudio dos programas com um gravador, para a seguir reproduzir a narração e os
sons, a fim de “rever” as imagens do
programa ou série.
Respondendo
mais directamente à pergunta: entrei na RTP em 1994. De vez em quando, lá ia fazendo um ou outro trabalho
relacionado com a vida selvagem. Sempre entendi que a televisão, neste caso a
RTP, deveria ter desde o seu início uma
unidade de História Natural, o que nunca aconteceu.
O “Vida Animal em Portugal e no Mundo”, nasce como uma primeira série, que juntava vários mini documentários em
várias partes do país e do mundo. A partir daí,
deu-se a metamorfose e, desde
2008, que temos o PRIMEIRO PROGRAMA DA
HISTÓRIA DE TODA A TELEVISÃO EM PORTUGAL DE PRODUÇÃO NACIONAL E EM CONTINUIDADE
sobre vida animal, sobre vida selvagem.
Alimenta
noticiários na RTP 1, o próprio programa na RTP Informação e RTP
Internacional…enfim, praticamente é visto em todo o mundo, através também dos canais e das antenas
internacionais da RTP. No espaço de 5 anos,
já produzimos 140 documentários, entre formatos de 20 a 25 minutos e (a
maior parte) formatos que não ultrapassam os 10 minutos.
A
ideia, a minha ideia é acabar os meus dias a fazer documentários sobre a vida
selvagem. É esse o meu grande objectivo em termos profissionais.
P – As questões
relacionadas com a biodiversidade acompanharam a sua formação jornalística e
pessoal ? Desde quando são temas que lhe interessam ?
L.H.Pereira - Posso
dizer que desde sempre. Estudei na área de saúde, no Secundário, que era a única que dava acesso à Biologia,
ora eu sempre quis ser biólogo, mas a matemática não deixou, como costumo
dizer, mas ainda bem.
Perdeu-se o biólogo, ganhou-se o jornalista, um conservacionista,
um naturalista e investigador, licenciado em Ciências da Comunicação (com média
de 15 valores), e com um Projeto
Científico Final de Graduação intitulado “Vida Selvagem em Documentário”, que
me valeu 19 valores como nota final.
Vai
de resto agora ser passado a livro, também ele um guia pioneiro para os que
querem enveredar por este mundo, uma vez
que se trata de uma recolha exaustiva dos conselhos e das técnicas dos mais
prestigiados produtores,
realizadores,
guionistas e autores de documentários da vida selvagem em todo o mundo. Muita
bibliografia e outra tanta filmografia. Quase dois anos de trabalho de
investigação e pesquisa.
P – Quem foram os seus
modelos ou referências televisivas que o estimularam a desenvolver este
programa?
L.H.Pereira - Sem dúvida,
a escola da BBC, o chamado formato “Blue-Ship”: é uma filosofia em que
há claramente o máximo de ética,
de espera, de brio, e da procura DA imagem, não DE UMA imagem. Sir David Attenborough, que já tive o prazer de entrevistar em
exclusivo para a RTP, foi desde sempre
para mim “A referência”.
A ideia de levar o espectador ao cenário e não
o cenário ao espectador. Esse é ,para mim,
o maior desafio e quando é bem
conseguido, a maior das conquistas.
P – Como vê o estado
da conservação da Vida Animal em Portugal?
L.H. Pereira -
Não temos grande tradição no que à conservação da natureza diz respeito, ao
contrário, por exemplo, dos nossos
vizinhos espanhóis. “Conseguimos” extinguir praticamente o Lobo Ibérico do
nosso território, a Águia-real no Parque Nacional da Peneda Gerês, o Lince Ibérico…e por aí fora.
Não há efectivamente, em minha opinião, uma Legislação que possa, por exemplo,
dissuadir os caçadores furtivos, os nossos Parques Naturais carecem de
vigilância mais apertada, há na minha opinião tudo ou quase tudo por fazer e o
que se faz…pelos vistos é raro resultar. É com muita mágoa que o digo,
acreditem! Muita.
P – Quais são as
espécies animais ameaçadas no nosso país? Sente que as autoridades têm
desenvolvido um trabalho meritório na sua preservação?
L. H. Pereira -
Infelizmente há muitas. Vou dar dois exemplos em que o Estado pouco ou nada
interveio no sentido de “dar a mão”, no
sentido de salvar duas espécies. A Primeira é uma ave, o Priolo que só existe
na Ilha de S. Miguel, nos Açores, o outro,
o cagarro, também ele ave, que se
encontra em território açoriano, depois a rola-brava que a sobre - caça quase
fez desaparecer.
Entre
as muitas Entidades que lutaram e
continuam a lutar, para evitar
que espécies como estas não desapareçam para sempre do nosso território está, por exemplo, a “Sociedade Portuguesa Para o Estudo das
Aves”, a “Associação Ambientalista Quercus”, entre outras.
Têm muito trabalho feito no terreno, e lá vão pressionando os governantes a
olharem com mais atenção as temáticas ambientais.
P – Tem uma ligação
forte ao Brasil e um conhecimento das paisagens naturais mais conhecidas
mundialmente como o Amazonas. O Brasil é um país especial em termos de riqueza
natural de espécies animais e vegetais?
L.H. Pereira -
Quando estamos a falar, por
exemplo, da Floresta Amazónia, estamos a
falar de algo que sabemos muito importante, mas que conhecemos muito mal. Seis
milhões de quilómetros quadrados de verde, o tamanho de meia
Europa…inacreditável !!!
Acredita-se
que só estejam descobertas apenas 20 por cento das espécies de animais e
plantas que lá habitam. Fantástico.
A Amazónia Brasileira, onde tive o grande prazer de estar e conhecer
apenas “uma ínfima gotinha”, assim como a Amazónia Colombiana e Peruana, são um
MUNDO. Não há palavras para descrever tanta maravilha junta, não se conseguem
encontrar palavras. Impossível.
P – A Revista
Online Sotaques aposta na divulgação dos
vários Sotaques portugueses e brasileiros. Ao longo das suas reportagens, em
Portugal e no Brasil, qual foi o Sotaque que mais o surpreendeu ?
L.H.Pereira - O
sotaque nordestino, gosto particularmente de sotaques também aqui em Portugal,
sou também um apaixonado por vozes! Enfim uma outra paixão “oculta”.
P – E o Sotaque do
Luís Henrique Pereira? É tipicamente
tripeiro ou tem outras influências?
L. H.Pereira –
Repare: eu fiz rádio e tenho ampla
formação na colocação de voz, respiração, postura etc. Mesmo nascido no Porto
há muita gente que garante que nasci em Lisboa! Mas eu acho que o meu sotaque é
praticamente inexistente, em todos os sentidos.
P – Que paisagem, em
Portugal e no estrangeiro, mais o deslumbrou no decorrer do programa ou nas
suas viagens como turista?
L . H. Pereira
-Respondo com uma palavra:Amazónia
P – O Luís trabalha na
redacção do Porto da RTP, nos estúdios localizados no Monte da Virgem, em Gaia.
O Porto e Vila Nova de Gaia são bons exemplos a nível de respeito pela
diversidade natural e animal?
L.H.Pereira - Resido em Gaia e em Espinho. Em Gaia tem
havido nos últimos anos um esforço enorme em prol do ambiente e da educação
ambiental.
No
espaço de 8 anos, por exemplo, 80 por
cento do saneamento estava por fazer. Hoje rara será a habitação que não o tem.
O Parque Biológico de Gaia tem-se expandido, tem implementado um enorme esforço
na criação de novos espaços verdes na cidade.
As melhores praias de Portugal são as de Vila Nova de Gaia, no que à
qualidade das areias e das águas diz respeito.
Para
trás, há um imenso trabalho ligado ao
saneamento e construção de ETAR´s, que
depois vem dar ao concelho bandeiras azuis, acho que são 17 praias para 17
bandeiras azuis. Gaia é, de facto, um
bom exemplo no que à preservação ambiental diz respeito, e também na
à constituição de novos projetos ambientais.
P – Que locais, no
Porto e em Gaia, recomenda para os amantes da natureza fazerem uma visita?
L.H.Pereira - Em Gaia desde logo o Parque Biológico e a obra que lá
está, que remete o visitante também para
a restante obra ambiental no Concelho. A Reserva Natural Local do Estuário do
Douro, a primeira a nascer em Portugal.
No Porto, a Zona da Foz e o Parque da
Cidade, a par de outros Jardins
maravilhosos como a casa Andresen e a Quinta da Macieirinha, junto à Sé, por exemplo. Outros dos meus locais de
eleição é o Passeio Alegre e as suas palmeiras,
que nos remetem para um exotismo tropical encantatório.
Era, de resto, o lugar predilecto do falecido
poeta portuense Eugénio de Andrade.
P – Que opinião tem
das paisagens do Douro e da região Duriense?
L.H. Pereira -
Apaixonei-me eternamente pelo Douro, especialmente pelo “Canyon” do Douro
Internacional. Absolutamente recomendável! Imperdível. Mágico!!!!
P – Relativamente aos
animais que filmou. Qual ou quais foram os que mais o impressionaram?
L.H. Pereira -Adoro
aves, por isso diria que, se fosse um animal,
adoraria ser uma Águia-real ou então um golfinho, animais que filmei e
que observei em estado selvagem com tempo e paixão.
P – Existem lugares
onde gostaria de gravar o seu programa e aonde ainda não foi. Quais?
L. H. Pereira -
Muitos…Muitos…Muitos. Deixo apenas dois exemplos: Bornéu e Papua Nova Guiné,
para ver “cara a cara” as maravilhosas aves do paraíso.
P – Se lhe pedissem
para fazer um programa que representasse o Planeta Terra como um todo, qual
seria o lugar que escolheria para filmar?
L.H. Pereira -
Boas parcelas dos fundos marinhos, uma vez que pelos visto conhecemos melhor o
espaço do que as nossas profundezas oceânicas e, por outro lado, todas as zonas de Montanha que me
fascinam, e que remetem também não só
para a vida selvagem mas para a História Natural, para as alterações de que o planeta foi alvo
ao longo de muitos milhões de anos.
P – O que representa a
natureza para si?
L.H.Pereira - A
Mãe…como todos lhe chamamos. Dela fazemos parte. Só que nunca demos conta
disso.
www.sotaques.pt - Entrevistas com Sotaques
R.
Marques