Antero de Quental: o poeta com alma de filósofo



Nesse soberbo  ensaio histórico que é " A Tertúlia Ocidental",  António José Saraiva descreve-nos a magnífica Geração de 70. Eram figuras proeminentes dela, entre outros, uma santíssima trindade do pensamento português - Oliveira Martins era o historiador que fazia de cada página uma pequena obra de arte, Eça de Queiroz,  o crítico brilhante dos males da sociedade portuguesa, e Antero de Quental  uma figura imensa, poeta com alma de filósofo, de historiador, de eterno insatisfeito com os estritos limites da sociedade.
Num livro de homenagens escrito em homenagem ao falecido Antero de Quental, " In memoriam", Eça fala-nos emocionado  daquele a  que chama  "Santo" Antero  e que ouviu numa noite,  na escadaria da Universidade de Coimbra, ficando com  uma impressão fulgurante de uma personalidade única e irrepetível.  
Antero de Quental, nascido em Ponta Delgada a 18 de Abril de 1842, depois de iniciar os seus estudos na Ilha de São Miguel veio para Coimbra, aos 16 anos,  cursar Direito.  Começa aí também a  sua intensa  atividade cívica e de dinamização cultural, que manterá ao longo da vida, ao ser o fundador da Sociedade do raio cujo objectivo era a renovação do país através da Literatura. 
Em 1861,  publica os primeiros sonetos e, quatro anos depois, as " Odes Modernas" com influências notórias do emergente pensamento socialista de Proudhon. Esta obra é o ponto de partida para uma das mais famosas polémicas da História da Literatura portuguesa, a " Questão Coimbrã", opondo, por um lado Antero, Eça e Oliveira Martins e, por outro, a velha guarda literária que gravitava à volta de António Feliciano de Castilho, com vários textos e réplicas de parte a parte. 
Antero foi o grande mentor das Conferências do Casino, que se realizaram em Lisboa, em 1871, com várias intervenções de membros da Geração de 70. Para a posteridade,  ficaram a Conferência de Eça de Queiroz" O realismo como nova expressão de arte", e " A causa da decadência dos povos peninsulares", do próprio Antero de Quental, uma obra que é uma excepcional reflexão sobre os arcaísmos  religiosos e culturais que conduziram ao atraso económico de Portugal e Espanha. 
Vai viver para Lisboa, em 1868, trabalhando como tipógrafo e,  juntamente com Eça, Ramalho Ortigão e Guerra Junqueiro, cria  o Cenáculo literário,  nos anos seguintes participa , ativamente, ao lado de Oliveira Martins, na fundação do partido socialista e do Jornal " A República". Muda-se, entretanto para o Porto, em 1886, publicando os " Sonetos Completos", a sua obra mais reputada. 
A doença - primeiro a Tuberculose e, na última fase da sua vida, o Distúrbio bipolar - levam-no  a uma existência errática, passando a residir em Vila do Conde e nos Açores. É nos Açores, a 11 de Setembro de 1891, que se suicida num banco de Jardim junto ao Convento da esperança, em Ponta Delgada. 
Miguel de Unamuno, o grande filósofo espanhol, disse dele  " Antero foi uma das almas mais atormentadas pela sede de infinito, pela fome de eternidade; há sonetos seus que viverão enquanto viver a memória dos homens". 

Autor: Rui Marques