Entrevistas com Sotaques: Joaquim Agostinho da Rocha, memória viva de Melgaço



    
Joaquim Agostinho  da Rocha não esconde a sua intensa paixão por  Melgaço. Divulgador incansável  da História de uma das Vilas mais antigas de Portugal, com vários livros publicados,   desvenda-nos, nesta entrevista, a ponta do véu de um percurso histórico riquíssimo deste Concelho  do Alto-Minho, que se confunde com a própria sobrevivência  e consolidação de Portugal como Nação independente.

P – Nasceu em 1944, em Cristóval, Melgaço e sei que sempre teve um fascínio pela História. Quando começou a interessar-se por temas históricos ?

R – Desde a infância que me interesso pela História. Aos 12 anos já tinha lido o D. Quixote de Melgaço,  e nunca deixei de procurar saber mais sobre a História universal, mas também sobre a História local do Concelho em que nasci.

P – Teve um percurso profissional intenso. Pode-nos falar dele?

R – Tive várias actividades ao longo da vida. Depois da quarta classe, fui aprender o ofício de sapateiro e alfaiate e, aos 17 anos, abri uma oficina própria de Mestre sapateiro.
Aos 20 anos fiz a tropa, durante um ano e,  a partir de 1967, fui viver e trabalhar para Lisboa como Técnico de contas,  onde  tirei o Curso comercial e o Curso de contabilidade. Trabalhei também como bancário, empregado de escritório, professor do Ensino secundário.

P – Entretanto o apelo da História chamou forte por si e passa a frequentar, em horário nocturno, o Curso de Línguas e Literaturas modernas na Faculdade de Letras de Lisboa. Como foi essa experiência ?

R – Extremamente enriquecedora. Tinha professores que me marcaram profundamente,  e que eram figuras eminentes da Cultura portuguesa.
Lembro-me de António José Saraiva, que nos dizia para nos abstrairmos do mundo que nos rodeava, e para pensarmos de um modo original. Também do poeta e Professor David Mourão Ferreira,  que nos recomendava que separássemos o ensino da sua faceta de poeta, porque éramos cientistas da Literatura e do conhecimento.
Também me recordo com saudade de Mário Dionísio, que defendia intransigentemente o rigor na linguagem, que evitássemos o desperdício e o ruído no uso da palavra.

P – O Sotaques Brasil/Portugal aposta no reforço das ligações entre Portugal e o Brasil. Também estudou  a Literatura brasileira na Faculdade ?

R – Sim. Tive o professor Gilberto Mendonça Teles, na cadeira de Literatura brasileira,  que era um homem muito erudito.
Ensinava-nos a dissecar um poema,  e a compreender as partes que o compõem. Acho que é indispensável existir uma relação próxima entre Portugal e o Brasil, até pelos laços históricos que nos unem.

P – Como surgiu o seu interesse pela História de Melgaço ?
R – Depois de escrever “ Frágeis elos ( uma história familiar), uma genealogia da minha família, senti a necessidade de aprofundar a minha investigação sobre Melgaço.
Daí resultaram várias obras publicadas como “ Escritos sobre Melgaço”,  “ A origem de algumas famílias melgacenses”,  o “ Dicionário Enciclopédico de Melgaço”, bem como o  livro  de poemas “Os meus poemas” ou romances como “ Entre mortos e feridos”,  entre outras obras.

P – Uma História de Melgaço que é riquíssima?

R – Sem dúvida. O Foral de Melgaço foi concedido em 1183, por D. Afonso Henriques, o mesmo rei que mandou construir a Fortaleza, que foi vital para suster as investidas dos castelhanos,  nos primeiros séculos da independência de Portugal.
Mas há muito mais: as várias  Igrejas medievais como a Igreja Matriz,  espalhadas pelo Concelho, o percurso do Caminho de Santiago pela Geira romana,   que passa na Estrada real 23, em Melgaço, o Castelo e  os vestígios pré-históricos que  existem em Castro Laboreiro, as Termas do Peso, e  o próprio Santuário da Senhora da Peneda que,  apesar de se situar geograficamente  nos Arcos de Valdevez, é visto pela população local como fazendo parte de Melgaço.
E também podemos falar no presente, nos Museus da Emigração e no Museu do cinema, que prestigiam a Cultura da Vila de Melgaço. Bem como de grandes figuras  vivas de Melgaço – como um dos mais eminentes Historiadores  medievais portugueses, o  Dr.  José Marques

P – O mito da Inês Negra também pertence a esse património histórico ?

R – A Inês Negra nasce de uma história contada na crónica de D. João I do Fernão Lopes,  em que se relata que, em 1387 no seguimento da crise de 1383-1385,  quando Melgaço era governada por um Alcaide castelhano e estava cercada pelas forças do Rei, “ escaramuçaram duas mulheres bravas, uma da Vila outra do Arraial”.
O Conde de Sabugosa, na obra “ Neves de Antanho” , editada em 1910, assinala a Lenda da Inês Negra como um episódio patriótico com uma grande carga mítica. O triunfo da Inês Negra sobre a Renegada, uma portuguesa que teria lutado pelo lado castelhano, simboliza a vitória das forças portuguesas.

P – O ensino da História de Melgaço nas Escolas do Concelho é para si um imperativo ?

R – Acho que é indispensável. Mas essa necessidade é referida há décadas: na década de 40, uma figura notável da nossa Cultura, o Dr. Augusto César Esteves apontava que essa era uma prioridade.
Os documentos mais importantes da nossa História estão acessíveis: por exemplo, o Foral de Melgaço está traduzido para português – um trabalho em que colaborei com dois latinistas franciscanos. Com a facilidade de acesso às fontes, que existe na atualidade, não há razão nenhuma para que as novas gerações não tenham acesso a esta rica história que possuímos.
R. Marques   

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