Danyel Guerra : um amante incondicional da Língua Portuguesa
Escritor, jornalista
que já trabalhou nos dois Jornais portugueses mais lidos, Jornal de
Notícias e atualmente Correio da Manhã, sócio do mítico espaço Labirintho,
dinamizador cultural com uma especial devoção pela poesia, Danyel Guerra
é uma das figuras que mais se tem destacado, na cidade do Porto, no
aprofundamento das relações luso-brasileiras.Mas mais que a sua Biografia, há
uma palavra que o caracteriza e com a qual ele próprio se
define: é Lusofilia, amor pela Língua portuguesa, pela sua promoção no
mundo.
P- Define-se como um
Lusófilo . Poderia explicar este conceito ?
R- O Lusófilo é aquele
que ama a Língua portuguesa, sem pretender impor esta ou aquela forma de
falar ou escrever . Não concordo nem com um certo preconceito que parte do
princípio de que o português falado pelos portugueses deva prevalecer sobre a
língua que é falada no Brasil, em Angola e Moçambique, nem com aqueles que
referem que devemos privilegiar o português falado no Brasil.
O primeiro preconceito
tem a ver com uma certa noção de pureza da língua, das raízes que estão em
Portugal, e o segundo com a força económica do Brasil, que faz com que se pense que o português se
adapte à forma de falar dos brasileiros.
Defino-me como
Lusófilo, e não como Lusófono, porque acho que temos de encontrar um ponto de
encontro, um meio termo, em que sem perder a diversidade promovamos a nossa
língua comum. Sem esquecer todos aqueles que falam e amam a língua portuguesa
no mundo: não só os países de língua oficial portuguesa, mas todos os que se
interessam pela língua portuguesa, seja ela a sua língua materna ou não.
P- O acordo
ortográfico vai melhorar as relações entre Portugal e o Brasil ? Com que
mudanças concorda e com quais está em desacordo ?
R - Creio que o escopo do acordo não é esse. Este
acordo sobre os critérios que permitam
uma harmonização ortográfica dos diversos padrões da língua portuguesa visa, na minha opinião, facilitar a vida aos milhares, milhões de lusófilos, espalhados pelo planeta. Há uns anos, numa conversa que tive com um dinamarquês que estava a aprender a nossa língua, ele chamava-me a atenção para a confusão que lhe causavam as diferenças ortográficas e lexicais, que encontrava entre os padrões brasileiro e o português. Eu disse-lhe que estava para breve a adopção de um acordo de harmonização ortográfica. Quanto à questão lexical nada podemos alterar, sob pena de estarmos a distorcer a língua enquanto fenómeno cultural. Certamente que não faz sentido compelir os brasileiros a começarem a chamar "lixívia" à "água sanitária", nem obrigar os portugueses a dizerem "pedágio" em vez de "portagem". Esse léxico multímodo também revela a riqueza da língua comum, a sua diversidade, que devemos preservar .
uma harmonização ortográfica dos diversos padrões da língua portuguesa visa, na minha opinião, facilitar a vida aos milhares, milhões de lusófilos, espalhados pelo planeta. Há uns anos, numa conversa que tive com um dinamarquês que estava a aprender a nossa língua, ele chamava-me a atenção para a confusão que lhe causavam as diferenças ortográficas e lexicais, que encontrava entre os padrões brasileiro e o português. Eu disse-lhe que estava para breve a adopção de um acordo de harmonização ortográfica. Quanto à questão lexical nada podemos alterar, sob pena de estarmos a distorcer a língua enquanto fenómeno cultural. Certamente que não faz sentido compelir os brasileiros a começarem a chamar "lixívia" à "água sanitária", nem obrigar os portugueses a dizerem "pedágio" em vez de "portagem". Esse léxico multímodo também revela a riqueza da língua comum, a sua diversidade, que devemos preservar .
Estou 99% a favor do
Acordo. Julgo, porém, que os filólogos e
linguistas foram um tanto minudentes na questão da utilização ou não
dos hífens.
P - Tem uma ampla
experiência laboral como jornalista e escritor - no Jornal de Notícias e
Correio da Manhã . Sentiu dificuldades a nível da língua ao longo da sua
carreira jornalística ?
R- Ao princípio, senti algumas dificuldades com algumas
expressões. E isso tem a ver com diferenças que existem nalgumas palavras entre
o português de Portugal e o Brasil, que
são ditas e pronunciadas de forma diversa.
Volto a uma ideia que disse atrás: é importante encontrarmos um
ponto de equilíbrio, que permita que falemos e escrevamos na mesma língua, sem
perdermos os traços culturais que nos definam.
P - É autor de vários
livros - os livros de crónicas " O Céu sobre Berlim", " Amor; città
aberta" e uma obra sobre uma grande figura da cultura luso-brasileira,
"Tomás Gonzaga". Podia falar-nos sobre este autor ?
R - A minha curiosidade sobre Tomás Gonzaga
começou quando vim viver para aqui, há trinta anos, e soube que um poeta
brasileiro muito importante, Tomás Gonzaga, tinha nascido em Miragaia. Ele era
filho de mãe portuguesa e pai brasileiro, licenciou-se em Coimbra e foi para o
Brasil em 1782 onde foi desembargador da Relação da Baía e teve um papel
muito importante na crise da Inconfidência Mineira - escreveu o poema em forma
de epístolas " Cartas chilenas" - sendo condenado a prisão por três
anos, durante os quais se julga que escreveu a maior parte dos seus poemas, e
mais tarde foi degredado para Moçambique onde acabou por morrer.
O conjunto da sua obra
" Marília de Dirceu" foi publicada em Lisboa, em 1792, por irmãos
maçons de Tomás Gonzaga. É uma personagem muito importante na cultura
brasileira com fortes ligações a Portugal, que temos de relembrar e que eu quis
homenagear com este livro.
P- Tem tido um papel
importante como dinamizador cultural no espaço Labirintho. Sente que faltam eventos na cidade
do Porto que promovam as ligações luso-brasileiras?
R - Essa primeira assertiva deve ser relativizada. Tenho tido
apenas um papel secundário, dada a escassez do tempo disponível. No que
concerne à segunda parte da questão, julgo que este problema se
coloca, antes de mais, a nível da qualidade e não da quantidade. De
um modo geral,o que nos chega do Brasil, em termos de expressões e realizações
da chamada indústria de entretenimento/cultural, tem o estigma de mainstream. Só para dar
um exemplo de um segmento dominante –a música -, o
que vem do Brasil são produções das vacas sagradas e
consagradas, sejam elas chiques ou bregas. Não tenho uma solucão, mas
defendo que do Brasil devem-nos ser proporcionados
propostas-desafios com o selo da qualidade alternativa, do vanguardismo,
do experimentalismo, do indie.
Contudo nesta matéria
evito ser paternalista e nacionalista. Entre um show do Alexandre
Pires ou de um dupla sertaneja, não hesito em preferir um espetáculo de
folclore do Bangladesh ou de danças nativas da Zâmbia ou da ilha de Tonga.
P- Como é que poderíamos
revitalizar essas ligações ?
R- Eis um trabalho de Hércules. Não tenho
receitas milagrosas, mas tudo passa por um árduo e aturado esforço
de educação para o gosto, sem preconceitos elitistas. Vejamos o caso da
arte literária brasileira. Quando falo desse tema até com pessoas de formação
universitária, os nomes que se elencam são os Jorge Amado, Carlos Drummond de
Andrade, Vinicius de Moraes e o inenarrável Paulo Coelho..
Os nomes alternativos como os de Ana Cristina
César, Paulo Leminski, Torquato Neto, Hilda Hilst são desconhecidos. O
próprio Ferreira Gullar só saiu da obscuridade quando venceu o Prémio Camões.
R- Precisando, eu vivo em Porto/Gaia. Como a
política, a vida de uma cidade é também a arte do possível. Julgo que o Porto
se tem vindo gradualmente a libertar do seu complexo de
superioridade/inferioridade, típico das segundas cidades de qualquer país. É um
cidade de múltiplos cambiantes, com quem há mais de 30 anos mantenho um relação
de atracção e repulsa, tese e antítese de toda dialéctica da
paixão. O grande óbice é o clima, demasiado inóspito, frio e húmido,
especialmente para mim que sou movido a energia solar.
No último quarto de
século, a cidade deu um notável salto qualitativo, atenuando a pátina
conservadora e provinciana, questionando mesmices e sobrancerias. Sem perder o
tónus da tradição, julgo que do ponto de vista lúdico-cultural -que é aquele
que agora nos motiva- o Porto tem acolhido uma vibração inusitada, tendo
a juventude como agente catalisador dessa movida. Ressalvando o fato de ser
apenas uma urbe de média dimensão europeia, com um rendimento per capita pouco
elevado, as ofertas de entretenimento apresentam um
índice de variedade e qualidade muito apreciáveis. Serralves e a Casa da Música
serão a epítome desse novo paradigma.
De um ponto de vista
sociológico, penso que a grande mudança se deu no comportamento e no modo de
representação social das mulheres. Quando aqui desembarquei há mais de 30
anos, as meninas eram muito ariscas, caretas até. Raramente saiam sozinhas, sem
terem um elemento masculino à ilharga. Hoje, elas são
as protagonistas das baladas.
P- Há uma
significativa comunidade brasileira a viver no Grande Porto. Sente que
existe uma ligação forte entre os brasileiros e que se adaptam bem ao Porto e a
outras cidades do Norte ?
R- Verifico que, regra geral, os brasileiros
migrantes em Portugal em Portugal estão com um pé dentro e outro fora do país.
Na sua maioria, estão aqui de passagem para darem o salto para outro lugar mais
propício - ou para regressar à pátria amada.
Quando estão cá têm
uma existência muito gregária, vivem em comunidade, muitas vezes fechados em
relação aos portugueses. Estabelecem relações fortes entre si quer seja pela
necessidade de ganharem algum dinheiro enquanto estão cá, quer pelo facto de
trabalharem em profissões de desgaste rápido.
Também há outros
factores que determinam este comportamento : o medo e a insegurança de alguma
Xenofobia
e também a
necessidade de mostrarem algum distanciamento sobranceiro, o que faz com que
não estejam disponíveis para conviverem e conhecerem mais aprofundadamente a
cultura portuguesa.
Passam as horas de
lazer num espírito de patota ( Tertúlia ) . A feijoada, o chope, a caipirinha,
o samba pagode, o forró, a música sertanheza, a praia são os emblemas culturais
da sua vida lúdica.
Salvo as exceções do
costume, não os vejo muito motivados, nem disponíveis para se envolverem na
cultura portuguesa. Refira-se, no entanto, que essa é uma atitude dominante nas
comunidades migrantes, como vi também na comunidade portuguesa no Brasil.
Friso que esta é uma
apreciação geral, e que existem sempre exceções.
R- Sempre tive uma grande paixão pelo
cinema. O neo-realismo italiano - Rosselini, Visconti, Antonioni - é uma
paixão minha porque foi uma referência muito importante
para o cinema feito no Brasil e em Portugal nas décadas seguintes.
Este novo livro
pretende ser uma viagem pelo mundo do cinema, salientando as obras e os autores
que me impressionaram ao longo das últimas décadas.
Autor: Rui Marques